Eu tenho um restaurante imaginário.
Com essa frase, onde cabe tanta especulação quanto espanto, eu tenho iniciado conversas, quebrado o gelo e até, confesso, flertado um pouquinho.
É que pela primeira vez em muito tempo achei uma forma de sintetizar muito do que sou em poucas palavras, sem me perder, sem ficar (muito) sem graça.
Eu tenho um restaurante imaginário.
É quase como um chamado para uma brincadeira, um convite ao jogo.
A reação do interlocutor a esta afirmação me dá a medida da conversa que vai ( ou não) se desenrolar. Confesso: tenho uma preferência irrestrita para os bons de imaginação. Assim como gosto mais, sim, dos bons de garfo.
Por isso que sempre fico curiosa para a reação de quem escuta : Eu tenho um restaurante imaginário. Tem quem embarque e peça para ver o menu, fazer reserva, pergunta se pode convidar mais gente.
Outros, de testa marcada como as bordas de pastel, desejam saber como é que funciona isso de um restaurante que não existe, mas que se imagina.Como assim?
Vem comigo que eu te conto no caminho.
E hoje faz um ano que comecei essa história de enviar escritos toda a semana. Ou melhor, a abrir as portas, chamar para entrar, recitar o menu do dia e esperar que a clientela se tornasse cativa, voltando toda semana. E não é que parece que funcionou?
A ideia era servir crônicas, este gênero tão brasileiro, que se debruça sobre o , as pequenas coisas, os detalhes, as miudezas que eu gosto tanto, tanto. Na crônica cabe a vida toda, entra jornalismo, história, memória.
Mas a vida é sempre tão mais ampla e generosa que, desde que o Conchas passou a funcionar, deu vontade e servi conto, crítica de filme, lista, rezo, distopia e utopia. Dividi lembranças, compartilhei implicâncias e incertezas. Virei personagem mirabolante de uma invasão de formigas literatas.Até fiz o que não costumo, que é dar receita. De bolo. Um dos melhores que conheço, aliás.
Nesse meio tempo, acompanhei a vizinhança crescer, li muita gente boa, vi a clientela aumentar por aqui, me animei e espalhei conchinhas pela minha cidade em forma de lambe-lambe, inspirada pela
uma das melhores vizinhas da rede.Gosto de pensar que, a meu modo, inspirei amigos a começarem também suas cartinhas. É bom ler e ser lido. Para quem escreve, diria que é da maior importância, de grande urgência.
Eu tenho um restaurante imaginário.
Que só funciona porque você está aí, do outro lado, lendo, comentando, mandando para alguém que você tem certeza que vai gostar. Eu sou muito grata, viu? De coração.
Abrir o Conchas, semana após semana, também é uma forma de voltar para casa. Casa, difícil saber o que é, mas eu sei que é para onde estou indo, canta o Bono. E eu acredito.
Hoje é o aniversário de 63 anos de Brasília, cidade que me viu nascer e com a qual posso dizer que venho me reconciliando. Aprendendo a amar, na repetição das quadras, na rotina fora do tempo, na frequência dos afetos.
Frequência que se traduz também nas cozinhas bem reais que vou e recomendo. Não sei se você tem esse lugar, onde pode pedir o de sempre ou, melhor ainda, pode confiar que não importa o que for servido, será bom e justo e vai restaurar suas forças.
Como é o caso da Tia Zélia na Vila Planalto e também da Meg, à frente do Chico Mineiro na Asa Norte. Não posso desconsiderar o primor inconfundível de Francisco na beira do Lago, e tudo na brasa que o Tonico faz na Superquadra, todas as friturinhas perfeitas recém-descobertas da Confraria do Padim, em Taguatinga. Todo o zelo e combinações surpreendentes que a Di Oliveira faz no Brasis, no Lago Oeste.
Penso ainda no serviço polido da Maria, que me faz atravessar o buraco do tatu até o China, na Asa Sul, onde também tenho sempre vontade de ir para comer e beber no balcão do Vitamina Central.
Em uma cidade onde é preciso saber onde se quer chegar, eu até que gosto de me perder um pouquinho, sabendo que tem lugares assim, para onde dá para voltar mesmo sem saber direito o que tem por lá.
O que todos eles têm em comum é que, não importa realmente o que esteja no menu, nem onde esteja sendo servido, nem qual seja a ocasião, ordinária ou extraordinária. Sei que vou querer provar. Confio no tempero, me reconheço nos costumes.
Espero que, com o tempo, assim seja com o Conchas. Não prometo formatos pré-definidos, nem sei se consigo sustentar grandes passes de mágica, estratégias, nada disso. Se eu prometer, desconfie.
Fico feliz pela companhia, pela confiança, pelo boca a boca que espalha as conchinhas por aí. Como você chegou até aqui? Qual sua edição preferida?
Me escreva, eu vou gostar muito de saber.
Muito obrigada e bom feriado.
Oi, Mariana, tudo bem? Eu acabei de chegar no Substack e acabei de chegar no Conchas também. Estou ainda um pouco perdida, mas ter encontrado as portas do Conchas abertas com tanta hospitalidade, me fez sentir bem. As suas crônicas são gostosas demais, uma construção de sabores que não da vontade de parar de comer. Um beijo! Roberta