Para ler ouvindo "Vamo" comer no Conchas, playlist com músicas que aparecem no texto, compostas ou interpretadas pelo do aniversariante do dia, Caetano Veloso!
Foi Juraci, essa santa mulher, que me deu o aviso. Valha, Mariana, chegou um punhado de gente, fizeram reserva, você que dê seu jeito, num vai dar pra deixar o restaurante fechado mais um dia de domingo, não.
Mariana. De certo, estava aflita, senão chamava Marianinha, se demorando nas sílabas prolongadas, como se tivesse um quadrado de doce de leite grudando e desgrudando das gengivas.
Juraci não passa frio, está mesmo coberta de razão, tenho que seguir com o combinado e abrir a birosca. Além disso, é domingo de aniversário. Parabéns. Festa grande, muita música, samba bom, caipirinha de limão cravo que tá na época, com rapadura e manjericão. Cervejas geladíssimas, em litro, garrafa de vidro antiga pros nostálgicos e Cajuína pra quem estiver sofrendo de saudade. Para tirar gosto, serviremos pratinhos com azeitonas gordas, oleosas, a verdadeira Pérola Negra.
Hoje é um dia de Sol (em leão), no meio do inverno. Hora de abrir mesinhas do lado de fora, fazer um pedido extra de gelo, engrossar caldinho de um tudo, botar água e louro no arroz e no feijão, abrir os sacos de farinha goiana. Está bem, se for assim, sim, abrimos.
Mas e a história das formigas? Perguntou o moço do marketing. Me faço de sonsa. Formigas? Aonde, no Conchas? Dizem os gringos que nem formiga era, que era termite, primo do cupim, comedor de celulose, sim, fibra de papel, como o dos livros físicos. Percebe a ironia? O moço do marketing, pelo visto, não.
Tento brincar que a frente fria congelou todas, dou uma risada nervosa, tudo funcionando conforme o não esperado, não foi? O que é que tem agora?
Ele não se dá por convencido. Os olhos se revezam entre o relógio de onde pipocam notificações, a tela de um tablet fininho e o poderoso celular cujas câmeras lembram bocas de um fogão de acampamento.
Ele me informa que marcou reunião, de briefing, com o pessoal da agência. Mas briefing de quê? Tento ganhar tempo. Pergunto se posso seguir viagem, se Vuelo Al Sur.
Não, tem que ser presencial. Proponho se podemos nos encontrar na Cidade Maravilhosa. Ou, melhoro a oferta, e se a gente chamasse os publicitários amigos dele para comer um Vermelho frito, ali no Recôncavo Baiano, na Bahia com H. Ele nega. Você não entende nada, penso. Quem não é recôncavo e nem pode ser Reconvexo. Lugar de reunião, sabemos, é em Sampa.
E assim, pouso em Congonhas, lembro de antes. Foste um começo difícil, mesmo, ainda mais pra quem vem de outro sonho feliz de cidade.
Fazemos a reunião, cheia de gráficos e números. Queria ganhar uma balinha de canela toda vez que alguém sopra palavras como mindset, exponecial, experiência, trendsetting.
O moço quer saber como vou capitalizar as formigas. Se podemos fazer parceria com chef de comercial de margarina. Fecho a cara, certamente eles não se deram conta que sou, acima de tudo, amanteigada. Ele tenta me convencer de que o caminho passa pela criação de;
Uma linha de dólmãs com formiguinhas bordadas para cozinheiros do mundo todo;
Um romance biográfico sobre as implicações da invasão das formigas, recheado com causos da infância e receita de bolo formigueiro;
Edições pop-up do Conchas com um menu em 13 etapas com formigas amazônicas em todos os pratos;
Ponho meus cornos pra fora.Interrompo tudo ali. Não vou deixar! Que ideia. O Conchas já é um restaurante que pipoca na caixa de e-mail, abre aos domingos com equipe imaginária e serve ficções das mais diversas. Me chamam de Comunista. Quem me dera. Me mostram o tanto de matéria que saiu, me chamam por Minha Senhora e aí não aguento, e devolvo: Quem lê tanta notícia?
Eu quero ir embora, quero dar o fora. Tenho uma festa para preparar, batidinhas de coco pra servir, caldinho de sururu com coentro para aquecer. A banda, que não pode passar, porque sem samba não dá.
Vamos preparar o torresmo, bem feito, carnudo, servido aos montes, a toda gente que vier com fome, com dança no corpo, com alma. "Vamo” comer feijão, farinha, faisão, tempurá!
Afinal, é Domingo, e vamos comer Caetano!