Sugestão: para ler ouvindo a versão da Aurora de Scarborough Fair.
Sejam todas bem vindas!
Eu honro sua presença.
Os comensais que adentram o salão vislumbram as mesas cobertas de toalhas de cetim em tons avermelhados, vasos com flores brancas e amarelas, além de um arranjo de girassóis na mesa principal, lá fora. Onde a celebração acontece de verdade.
Hoje é um dia de festa.
Os homens convidados se revezam para acender o fogo de uma imponente fogueira que ocupa o centro do nosso jardim. As mulheres acendem velas, vão iluminando o espaço à medida que o Sol se põe tardiamente.
É, afinal, o dia mais longo do ano na parte Sul deste planeta em ebulição que, se não compreendemos em sua totalidade, aprendemos a amar, de alguma forma.
Os bebês de colo são trocados de braços, e se revezam entre chorões e sorridentes, bravos e descansados.As crianças correm, na pressa característica da infância. Uma pressa sem ansiedade, que benção, você se lembra?
A música é antiga, ancestral, assim como os cheiros emergem tanto da cozinha quanto de turíbulos e de pequenos caldeirões. As ervas são mesmo mágicas, se você pensar: o mesmo alecrim, que perfuma o azeite onde batatas bolinha ganham uma aura dourada pode defumar a casa e trazer uma energizante renovação dos ares.
Are you going to Scarborough Fair?
Parsley, sage, rosemary, and thyme
Remember me to one who lives there
She once was a true love of mine
Os acordes avançam, em violão, derbak, snuj, violino, pandeiros e instrumentos impossíveis de nomear. E as letras vão regredindo e trazendo os séculos para trás, até um período antes da contagem, onde apenas pedras - Stonehenge - marcam o dia de hoje.
Feliz Solstício de Verão. Esse evento astronômico que pode, como tudo acima do céu, ser ritualizado aqui na terra. E que tem sido, há millenia. Muito, muito antes das religiões organizadas, dos aniversários dos grandes representantes espirituais e do estabelecimento do feroz sistema capitalista e seus rituais envolvendo líquidos adocicados, ursos brancos e senhores barrigudos vestidos de vermelho.
Das grandes vantagens de optar por uma celebração assim, nesta altura do ano e do mês: não tem protocolo pré-definido. E, ao comemorá-lo em solo brasileiro, a pátria de um desavergonhado sincretismo, quase tudo é permitido.
Mas ainda estamos em um restaurante e é bom que eu apresente o que será servido. É uma boa hora para falar sobre tipos de serviço? Não? Bom. Dezembro é o melhor dos tempos, o pior dos tempos. Vamos lá, ainda dá para tirar um último coelho da cartola.
Quando pensamos no que pode ser pedido em um restaurante, o mais usual é que se pense em um menu de escolhas finitas. Além dos pratos à la carte, ou seja, como estão descritos no cardápio, existem outras possibilidades.
Temos o menu do dia, com apenas o que está escrito no quadro. Ou o buffet, onde se estabelece com antecedência quais serão os preparos, dispostos em uma ou mais mesas - ilhas - para que os convidados se sirvam. O bom e velho serve-serve tão brasileiro.
Outra opção: estabelecimentos que servem apenas um prato, ou variações de um mesmo prato. Muito populares. Pastelarias, casa de caldos, sorveterias.
E, claro, quando se pensa em haute cuisine ou alta gastronomia, o menu degustação, com suas incontáveis etapas, transições, amuse-bouche e harmonizações com vinho, destilados, infusões, coquetéis, um serviço de mesa apurado, guardanapos de linho, louças de cerâmica artesanal, taças de cristal. Formalidades.
Mas aí, existe, por sorte, existe o Oriente. E, por lá, uma palavrinha muda tudo: omakase.
A palavra omakase (お任せ) se origina do verbo confiar – em japonês, makaseru (任せる).
Quando usada em restaurantes, principalmente os que servem sushi, significa uma entrega. Pode ser um "deixarei a escolha por sua conta". Deixo em suas mãos. Eu confio em você.
Uma prática bonita demais.
E é como penso o que será servido no Solstício. E, num gesto mais abrangente, em tudo que servirei ao longo do ano. No Conchas? Também.
Veja, o chef sushiman ( ou woman!) não escolhe o que quer, simplesmente.
Porque é possível querer yuzu fresco em dezembro, e não encontrar. Pelo menos não no Japão.
Ou pode-se desejar morangos para a ceia natalina brasileira, mas não serão os melhores, de junho, aromáticos e suculentos.
É sobre escolher as melhores opções, ingredientes, cortes, dentro do que está disponível naquele momento. Ir junto e fluir com a estação, seja ela qual for.
O menu confiança é, portanto, um acordo.
Você confia que eu vou servir o melhor possível; eu confio na minha capacidade de entrega e, então, vivemos esta troca.
Por isso, além de desejar um feliz Solstício e que seu Sol interno brilhe forte nesta nova estação e no próximo giro da Terra, eu aproveito a mesa posta para agradecer.
Sou grata por seguir escrevendo, cozinhando, dançando a vida.
Sou grata por viver em uma época onde é possível compartilhar ideias, apesar de tudo.
Sou grata por quem lê e espalha minhas conchinhas, deixa bilhetinhos, me lembra que não estou só, flutuando neste bombom recheado de magma pelo tempo e espaço infinitos.
Significa muito.
E, para que vocês não fiquem apenas na vontade, eu revelo: o banquete do Solstício é, acima de tudo, coletivo. Compartilhado. Da minha parte, eu não deixo que falte um bom arroz branco, lentilhas perfumadas e chutney de manga. E aí, sou eu que aprendo, um pouquinho de cada vez, a confiar nas pessoas que se fazem presentes vida afora, trazendo pães, incensos, flores e a boa nova.
Feliz solstício, Mari ❤️
Seu texto me puxa como um ímã! Boas festas ❤️