Sejam muito bem vindos ao Conchas, este restaurante imaginário no fim do Universo.
Hoje, servindo uma palavrinha em espanhol cujo significado é muito conhecido de nós, os brasileiros. Um oi especial para quem chegou por aqui na última semana, fiquem à vontade viu, pode arrastar cadeira e chamar os amigos.
Há pelo menos dois tipos de jogos. Um pode ser chamado finito, o outro infinito. Um jogo finito é jogado com o objetivo de ganhar, um jogo infinito com o objetivo de continuar a jogar.
Com essa frase, James P. Carse convida o leitor-jogador a iniciar a partida em Jogos Finitos e Infinitos - A vida como jogo e possibilidade.
Uma leitura curiosa e instigante, para a qual vou puxar a sardinha - como sempre - para a questão da alimentação. Não que esse seja o intuito do autor, que explicita os jogos finitos de poder, status e relações sociais, e os infinitos como a própria cultura em que estamos inseridos.
Mas eu vi nisso um bom pretexto para falar sobre comer, que não deixa de ser um jogo. Sim, um jogo, uma vez que é tanto uma necessidade básica quanto uma possibilidade de exercer criatividade, reforçar costumes, comunicar intenções e sustentar discursos.
Um jogo finito para quem come seria uma refeição. Bom, até aí tudo bem. Mas quando começa uma refeição? Seria na intenção do agricultor que semeia a terra? Ou na colheita? Seria na feira, onde as possibilidades estão expostas? Ou nas mãos e na mente da cozinheira que, ao vislumbrar o cenário, compõe o cardápio do dia e desenrola sua feitura?
É uma questão a se pensar. Talvez comece na fome em si, essa grande herege, no momento do nascimento, no choro dos famintos. Mas a fome seria o jogo infinito. Enquanto estamos vivos, temos fome.
O que eu desconfio, aí com mais convicção, é que um restaurante é, em sua operação, um jogo de tabuleiro, com suas peças com funções mais ou menos definidas. Fornecedores, cozinheiros, ajudantes, garçonetes, caixa, clientes, todos ali, prontos a desenrolarem suas jogadas.
Recitar o menu do dia. Oferecer a harmonização com vinho. Pedir um chorinho na dose de aperitivo. Devolver um prato para a cozinha. Pedir para trocar o purê por risoto ou vice-versa. São todas possibilidades que vão desenrolando - ou travando - o jogo.
Enquanto jogo finito, uma refeição precisa, além de um início, de um final bem definido, no qual todos os jogadores - neste caso, comensais - concordem. E, neste ponto, eu acredito que o final definitivo de uma refeição é a sobremesa.
Calma, não é bem o que você está pensando - pudim, goiabada, mouse com o cafezinho para arrematar. Pode até ser, mas falo aqui da palavra espanhola, que significa mais do que apenas um docinho ao final de um banquete.
É minha xará,
“Uma palavra espanhola que é comumente descrita como intraduzível em inglês é sobremesa, que é praticamente o epítome de tudo o que me encanta e desafia na cultura latina.
Deixem-me tentar traduzi-la...
A noite está carnuda e fresca como uma fatia de manga.
Estamos debaixo de um guarda-chuva salpicado de gotas de orvalho e a minha pele está viscosa com o enorme calor, mas estamos a combater fogo com fogo: Tajín picante em cada prato que partilhamos. Quando os últimos bocados de ceviche são raspados do prato de porcelana e os copos de margarita estão agora meio cheios de gelo derretido, sentamo-nos e reparamos que a umidade desapareceu e as estrelas desceram.
Tempo para conversar: sobre nada, sobre tudo. É uma longa pausa num dia que de outra forma seria frenético, e quando digo longo, quero dizer horas e horas. Alguns bebem, outros fumam, outros parecem estar no seu próprio mundo, mas soltam uma palavra aqui e ali. A mesa torna-se um local sagrado para a partilha de segredos e para a criação de laços familiares - especialmente para aqueles de nós que não são parentes.
O garçom nunca virá até que o peçamos explicitamente e, mesmo assim, ele vai nos encorajar a levar o nosso tempo. Porque este é o nosso tempo: a felicidade que podemos reivindicar para nós próprios contra todas e quaisquer probabilidades, contra o ritmo regular do dia. Estamos a fazer o trabalho sagrado de criar ligações com outros que talvez nunca mais voltemos a ver.
Sobremesa também se traduz por: "relaxar à mesa depois de uma refeição".
Para norte-americanos e tantos outros povos do hemisfério Norte, o almoço não passa de um lanche, uma inconveniente interrupção na jornada de trabalho, e o jantar - mais cedo - é a verdadeira hora de pausar.
As culturas latinas, por outro lado, dividem o dia ao meio. Almoçar é um negócio sério, seríssimo. A siesta, outra palavra espanhola que designa aquela cochilada depois do almoço, também é praticada com fervor religioso em muitos lugares, onde os habitantes repousam e digerem tudo que foi comido, dito, insinuado, antes de retornar à labuta.
E, em momentos de paz, com nossas famílias e amigos, ainda praticamos a sobremesa. Falamos, bebemos, debatemos e fofocamos, rimos e desfrutamos plenamente da companhia uns dos outros.
E então o jogo finito da refeição está completo, e todo mundo vence a rodada da fome e do apetite de pertencer, até que seja a hora de recomeçar, de novo e de novo e de novo.
O ruim dos dias úteis é justamente essa necessidade de almoçar rápido e seguir com a rotina, o contrário do que o texto descreve...
Ah que delícia! Eu poderia morar em volta de uma mesa. Não há, na vida, algo melhor!