Para ler ouvindo Blue monday, do New Order.
Sejam bem-vindos ao Conchas, esse restaurante fictício no fim da galáxia, na ponta dos seus dedos, no gigabyte da sua caixa de entrada. Abrimos, via de regra, aos domingos, mas esse, não. Não consegui. Vocês desculpam?
Os antigos de internet sabem, mas não custa lembrar. Hoje, a terceira segunda-feira do mês de janeiro, é chamada de Blue Monday. Tudo pode não ter passado de uma jogada de marketing de uma agência de viagens que queria vender passagens em janeiro, período de baixa demanda. Lembrando que a expressões que envolvem o azul como I'm blue ou january Blues, na língua inglesa, remete a tristeza, melancolia, infortúnio.
Este seria o fatídico dia mais triste do ano. Passadas duas semanas desde o recomeço do calendário gregoriano, hoje seria o dia em que bate forte a vontade de abandonar todas aquelas infindáveis e irreais metas de ano novo.
Dizem que é quando a alegria das festas de Natal e Ano Novo se dissipou, e o que resta são as contas para pagar, os boletos de janeiro, impostos. No Hemisfério Norte é o auge do inverno, da friaca. Aqui, vivemos em tantos lugares o verão chuvoso e intempestivo. Mas, o que é uma segunda-feira de janeiro para milhões de brasileiras e brasileiros? Mais uma, menos uma.Muitas são ressacas de domingos terríveis. Em 4 anos, por exemplo, temos 208 segundas. Veja bem.
Para contrabalancear este conceito, eu quero falar aqui sobre as lunes de fiesta, expressão usada na Espanha para se referir às segundas de folga dos cozinheiros.
Gosto muito do fato de, em espanhol, os dias da semana preservarem a ligação com os corpos celestes. Segunda, é, portanto, o dia da Lua. E as luas de festa são os dias de folga das brigadas que trabalham durante o fim de semana. É quando cozinheiros, que, no geral, passam os demais dias reproduzindo receitas do menu, podem testar suas próprias versões.
Ou comer comida de rua, pizza fria, jantinha. Sucrilhos direto da caixa. Sanduíches de qualquer coisa. É o dia em que garçons podem ser servidos nos bares que abrem. É quando alguns trabalham; gerentes, recebendo cargas, fornecedores. Dia de manutenção, de limpeza? Talvez.
Mas, e eu preciso destacar isso como pessoa que já trabalhou em regimes de plantão e folgou em segundas, terças, quartas: existe sim uma certa melancolia, uma solidão em desfrutar do tempo livre em um dia útil. Em estar de folga enquanto eles (quem são eles?) trabalham.Em escrever nas madrugadas insones, trabalhando enquanto eles dormem.
Folgar na segunda-feira tem um gosto de pão dormido, de alegria forçada, festa com hora marcada pra terminar.Mesmo com encontros entre pessoas que estão na mesma situação, mesmo com alguns restaurantes e bares abertos. É um pouco estranho, até mesmo para as pessoas que amam cozinhar, que não se imaginam longe daquilo, mas que pagam com o tempo livre que elas não podem desfrutar ao lado de quem amam. Sábado à noite, domingo de tarde. Seriam os horários nobres na agenda de todos? Nem sempre. Não dá.
Eu tenho pensado muito nas pessoas fora do tempo, evidenciadas pelas configurações pós-pandêmicas.Talvez sejam todas as vidas, na verdade, e a ideia de que havia algum alinhamento era só uma ilusão tornada possível pelas convenções sociais como escola, ambientes corporativos de trabalho, rotinas uniformes de presença física obrigatória. Aquela boa e velha, confortável e segura ideia de turma, de pares, de pertencer a uma geração.
Engraçado como tudo cai por terra muito rápido, ou na terceira década de vida, eu diria. Ou no pós fim do mundo, vai saber.Não consigo deixar de pensar em como a experiência humana pode ser diversa, embora, na juventude, ela não pareça. Para o bicho da goiaba, o mundo inteiro é goiaba.
Não é estranho pensar em como os dias do mês significam a mesma coisa para pessoas diferentes, em situações diversas? E que aquilo que nos parece a via de regra pode não significar nada para o outro?
Não existe um único dia do pagamento. Nem um mesmo dia da folga para todos. Não se contam, ou melhor, se sentem da mesma forma aqueles dias que se borram em um só período amorfo para quem vive um luto. Para quem vive um puerpério. Para quem passa por uma intrincada recuperação física.
Para quem volta de um mergulho profundo nas águas turvas da depressão. Para recém-separados, para os recém aposentados.
Para as crianças que ainda não sabem ler. Para toda gente que esta apaixonada e não pode afirmar com certeza se é correspondida. Para quem nunca, em hipótese alguma, se apaixonou.
Aí aí. Eu ia animar vocês, mas acabei imersa na melancolia dessa segunda feira azul. Nada a fazer. Talvez uma sopa. Não resolve, mas esquenta.
Cate por aí
“Você faz piruetas com o corpo e com a imaginação para fugir da tristeza. Mas quem disse que é proibido ficar triste? Na verdade, muitas vezes não há nada mais sensato que ficar triste; todo dia acontece alguma coisa, com os outros ou com a gente, que não tem remédio, ou melhor, só tem esse antigo e único remédio que é sentir tristeza.”
-Trecho do O livro de receitas para mulheres tristes, de Héctor Abad, é um livro delicado e delicioso, sem um gênero bem definido, que releio de tempos em tempos para não perder o prumo. Recomendo muito.
Ta perdoada! Adorei a edição especial e a melancolia contagiante do texto! Vc arrasa sempre! Amo muito! Parabéns
Me identifiquei muito com o texto. O gostinho que ele deixa... Parece que saboreio vez em quando.