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Via de regra, funcionamos aos domingos.
Esta edição chega excepcionalmente na segunda-feira, aniversário de 1 aninho do Martin, o sobrinho da dona (euzinha).
A festa foi ontem, a tia tava on e o tema de hoje me pareceu mais propício para o segundo dia da semana. Pois bem.
Quando o mês de setembro findou, parei de beber. Não é a primeira vez e com certeza não será a última pausa alcoólica da minha vida.
Motivos também não me faltam; a saúde da pessoa balzaquiana, a higiene do sono, a necessidade de me proteger de uma agravada ressaca social (e , porque não, eleitoral).
Em outras nações que não enfrentam o calvário de ser o Brasil em 2022, outubro é o mês de desafio: “Go sober for October” é uma proposta que surgiu em organizações pró saúde da Austrália, EUA e Reino Unido, entre outros, visando trazer benefícios de saúde, arrecadar doações para instituições filantrópicas e gerar visibilidade para causas como combate ao câncer.
Embora seja difícil rastrear a origem exata desse movimento, a ideia é passar os 31 dias deste mês, que inicia o outono no hemisfério norte, sem consumir álcool. Fácil? Não acho.
Para os países onde o consumo de maconha e derivados é legalizado, outubro pode ser sobre ficar sem fumar ou comer, de certa forma, uma possibilidade de ficar mais…consciente.
Uma leitura que eu faço é: após a euforia dos meses de verão, o início das baixas temperaturas e do recolhimento social, somados a proximidade com os feriados do fim de ano, podem sim ser um gatilho para o consumo exagerado de toda sorte de substâncias estimulantes, entorpecentes, depressoras, eufóricas.
Se formos adaptar pra realidade tropical, eu diria que, entre outubro e novembro, temos talvez a última (pausa dramática) chance de estarmos sóbrios. Sim, porque teremos pós-eleições, Copa do Mundo, Natal e Ano Novo, férias e verão, Carnaval.
De certa forma, tudo nos chama para beber neste país que não sabe, não quer ou não pode tratar com sobriedade suas profundas dores, que não consegue jogar outra coisa que não seja álcool, deboche e confete em suas feridas abertas, talvez as maiores da América do Sul.
Bem, longe de mim condenar, pois inclusive pertenço. Se tem uma coisa que sou, e cada vez que estou longe me dou ainda mais conta, é brasileira. Cheia de contradições, de exuberância, de carga mental, ancestral e estrutural.
Beber álcool nunca foi um problema no meu núcleo familiar mais restrito. Quer dizer, nunca foi, até ser. Ou até ser percebido como isso.
Meus pais sempre beberam, principalmente vinho, e não havia uma restrição nesse sentido, muito pelo contrário, sempre pude provar - e provei - de diferentes rótulos.
Costumo brincar que, se hoje eu tenho um conhecimento mínimo em vinhos, trabalhei e ainda trabalho de certa forma com esse mercado é em grande parte "culpa” deles. Mas acredito que não havia uma intenção nisso.
Os tempos eram mesmo diferentes e uma infância desenrolada nos anos 1990 passava por fins de semana, festinhas e eventos familiares regados a garrafas retornáveis de cerveja, cachaça e vinhos portugueses, em sua maioria tintos.
Ao pensar nesses tempos, é difícil também não evocar, com carinho e uma saudade infinita, a figura quase eremita do meu avô paterno: Altino, o “Seu Neném", epíteto justificado por ser ele o derradeiro, caçula da dona Lucinda.
Nunca deixou de ser meio cômico chamar de neném aquele senhor de 1,90 de altura, cabelos brancos, olhos aguados de fundo de rio, entre o verde e o azul, cheio de bondades.
Vovô Neném foi acima de tudo um homem da terra, profundamente conectado com a Natureza, em harmonia com os ciclos naturais. Foi dele que aprendi de olho e de proximidade que álcool é também remédio, que é o meio pelo qual extraímos poder e cura das ervas.
Era ele que fazia xaropes de sucupira e guaco para os pulmões custosos meus e das minhas irmãs. Ele que esfregava meus inúmeros machucados de pele com um preparado escuro, denso e alcóolico de ervas cicatrizantes. Ele que tomava uma cachaça reforçada e amarga para a digestão. Que saudades, Vô.
Então por conta disso eu tenho para mim que o álcool, como quase tudo embaixo desse Sol, tem duas polaridades, positiva e negativa. Não tem bebedeira mais feliz que o trago tomado com gosto e responsabilidade no cair do dia pelos homens e mulheres que despertaram junto com o Sol ( ou até antes!) e honraram a terra com o trabalho suado do plantar, cuidar, colher.
No entanto, penso que, na minha família, muitas situações ruins poderiam ter sido evitadas, ou, ainda, menos agravadas, se os envolvidos não estivessem sob o efeito da bebida. Digo situações de parentes mas falo especialmente da minha própria experiência.
É doloroso demais destruir pontes afetivas e minar interações sem sequer se lembrar no dia seguinte como você fez isso.
E, muitas das vezes, não existem desculpas, não existem reparos que se possa fazer sóbrio aos danos que você causou ébrio. A ressaca moral é ainda pior que a ressaca física e normalmente elas andam de mãos dadas que se soltam apenas para te derrubar.
De acordo com o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), que publicou o Álcool e a Saúde dos Brasileiros - Panorama 2022, apenas no primeiro ano de pandemia, houve um aumento de 24% nas mortes totalmente atribuíveis ao álcool.
O estudo revela algumas das muitas contradições ligadas aquele período: ao mesmo tempo também houve uma queda de 15% neste tipo de internações em 2020, quando comparado ao ano anterior.
A diferença nos números, segundo o psiquiatra e presidente executivo do CISA, Arthur Guerra, pode estar relacionada à oferta de leitos durante a pandemia. “Por causa da pandemia, muitos leitos foram destinados para pacientes com Covid-19, houve diminuição da oferta de leitos, e isto pode estar relacionado à alta do número de mortes”, explicou em entrevista.
Ele também avalia que o isolamento necessário durante a fase aguda da pandemia fez com que algumas pessoas “ficassem mais depressivas, ansiosas e usassem o álcool como muleta.”
Paralelo a isso, os dependentes também não participaram de reuniões de Alcóolicos Anônimos(AA). “Essas situações foram complementares para diminuir a eficiência do serviço de saúde pra cuidar de pacientes com dependência do álcool.”
A entidade destaca ainda diversos movimentos da sociedade de igrejas, escolas e empresas para diminuir o uso nocivo do álcool.
Além disso, neste momento de reabertura e talvez retomada (possível) de encontros presenciais depois de um processo que ainda não compreendemos totalmente mas que com certeza deixou sequelas, talvez o mais prudente seria se manter sóbrio.
Então, porque continuamos bebendo?
Bom, muitas respostas possíveis. Talvez a primeira seja: porque é gostoso.
Não é desprovido de razão a frase atribuída a Dom Pérignon, o mítico monge beneditino considerado o pai do Champagne que, ao provar do líquido borbulhante pela primeira vez, teria chamado seus companheiros:
“Venham rápido irmãos, estou bebendo estrelas!”
Repartir o pão e dividir uma garrafa de vinho podem ser uma experiência íntima, terna, de profunda conexão. Mas, para isso, quem levanta e brinda com as taças deve estar bem.
Sinto que cada um precisa se conhecer suficientemente bem para entender seus limites, gatilhos, disponibilidades.
Com todas essas reflexões e ponderações, fica aqui o convite para que você experimente momentos de sobriedade e perceba como reage seu corpo, sua mente e suas companhias. É, no mínimo, revelador.
O álcool em si não é bom ou ruim, mas certamente atua como um catalisador de sensações e estados psíquicos. Não acredito em uma vida de total abstemia para mim, mas acho muito válido esses períodos de depuro, de experimentação com a sobriedade, ainda mais em um momento de tantas influências no campo social em que estamos todos inseridos.
Espero brindar com goles de esperança no dia 31, quem sabe no dia 30 mesmo. Vamos com fé e outros refrescos!
Mockatails
Uma última anedota pessoal nesta edição que já considero íntima demais: quando eu tinha lá meus 14, 15 anos, na feira de ciências da escola, fizemos a experiência de deixar ossos de galinha dormirem naquele refrigerante preto.
O resultado, que é um osso de textura de borracha molenga, me deixou completamente impactada. Tomei a decisão radical de que, doravante, não consumiria tais bebidas terrivelmente açucaradas.
Além disso, na mesma época, fui convidada para a festa de aniversário de Dandara, a menina mais rica, bonita e elegante da escola. Adivinha? A moça também não tomava refri, e senti uma conexão chique, pensei com minha cabecinha adolescente que se era bom pra Dandara, ora, eu também queria.
No entanto, naquela época, no começo dos anos 2000, não existia uma oferta muito grande de bebidas não alcóolicas nos mercados e nos eventos sociais. Foi com alegria que acompanhei, nos últimos 15 anos, mudanças comerciais e de padrão de consumo ( uma coisa retroalimenta a outra!) e, hoje, fico feliz com o tanto de opções dentro e fora de casa.
Também vale mencionar o renascimento dos chamados Mocktails, os coquetéis não alcóolicos que, muitas vezes, trazem toda a complexidade e a alquimia da coquetelaria clássica sem a preocupação com a ressaca. Delícia heim?
Cate por aí
Uma listinha com cinco bebidas não alcóolicas para você experimentar :)
1- Kiro
Kiro é um Switchel(se pronuncia su-í-tchel). É uma bebida feita à base de gengibre, mel e vinagre de maçã, com sabor intenso, e uma história de origem meio incerta, mas que remonta à Africa, Caribe e também as comunidades Amish da Nova Inglaterra. Essa é uma marca nacional que surgiu como alternativa. Dá pra comprar pelo site e você também encontra em lojas físicas em SP, Brasília e RJ. Adoro com muito gelo e água com gás.
2- Baer Mate
Mais uma marca nacional que se inspirou em uma bebida gringa, dessa vez com origem germânica ( o urso que estampa a garrafa é uma referência ao Urso de Berlim!).
Como o nome entrega, o Baer Mate tem chá de erva mate na sua composição, bem como suco de maçã para adoçar. Fica ótimo com rodelas de laranja Bahia e gelo, e a versão de Matchá é deliciosa com leite de aveia. Vende pelo site, tem em alguns supermercados grandes e eu já encontrei até em festinhas em Brasília, viu.
3- Kombucha
A menos que você tenha estado dentro de uma caverna pelos últimos 5 anos, você deve ter ouvido falar da Kombucha, bebida natural fermentada à base de chá preto.
Longe de ser exatamente uma novidade, pois sua preparação é milenar, a kombucha traz inúmeros benefícios à saúde. O sabor, mais para o avinagrado, não é o preferido de todo mundo.
A parte boa é que ele depende do tempo de preparo e fermentação, então é muito possível encontrar sua preferida ou mesmo fazer experiências com o Scooby em casa. Para conhecer, indico sem medo as criações da Cia dos Fermentados.
4- Suco integral de uva rosé
Você sabia que, assim como o vinho, é possível produzir suco de uva integral de diferentes tipos de uvas, tanto brancas como tintas e como rosés? Pois sim!
Além disso, extrair esse suco à frio faz toda a diferença pois conserva sabores, aromas e substâncias benéficas da fruta. Um dos meus preferidos é o suco de uva integral de niágara rosé da Coopernatural, produzida com toda a dedicação pelo Ricardo e sua equipe lá em Picada Café(RS). Ainda por cima é orgânico e certificado. Vende pelo site e em empórios naturais.
5- Cerveja zero
Sim, eu sei, eu seeei o que parece! Mas os abstêmios por força das circunstâncias - grávidas, lactantes, pessoas em tratamento de saúde - são as primeiras a me darem razão aqui.
A vontade daquela gelada pode bater com força e, nessa hora, vale a pena ter um exemplar de cerveja sem álcool na geladeira. A marca vai do gosto pessoal e do bolso, mas eu particularmente gosto muito das versões zero da Estrella Galicia e da onipresente Heineken.
Tem outras recomendações? Conta nos comentários!
Parabéns pela sobriedade e pelo texto. Adoro Kiro e Cerveja sem álcool! Um bride sem álcool! 🍻
Boa sorte nessa empreitada, amiga!