Sejam todas e todos bem vindos. Muito bom dia, gostaria de entrar para tomar uma xícara de café, pão de queijo acompanha? Tapioca ou panqueca?
Toda gente que come - porque toda gente deveria ter sempre assegurado e garantido o direito ao alimento - deveria poder desfrutar de um lugar no qual se pode repousar o paladar.
Convenhamos; aqui, nesta bodega imaginária, existe um limite do que posso oferecer com recorrência. Massa? Temos. Pão? Também. Aconchego no peito, reconhecimento e algum riso são outros quitutes que eu espero poder servir sempre.
E o que seria repousar o paladar?
Não precisar pensar muito. Não olhar no cardápio, muito menos apontar celular para código, ou baixar aplicativo ou fazer cadastro simplesmente para comer um misto quente.
Aliás, repousar é saber que o misto quente é uma coisa só, em si, sem precisar tomar muitas decisões sobre qual o pão, se o queijo é minas frescal ou prato quando todos sabemos muito bem que muçarela é a única opção civilizada.
E nem me façam começar a falar sobre a assustadora gama de embutidos( lombo canadense, uma misteriosa existência para mim) prontos para destronar o digníssimo presunto cozido, o preferido, o ideal, o certeiro.
Se até o Chaves, este ícone latino-americano, pede sanduíche de presunto, porquê vossa excelência acha que é uma boa substituí-lo por…chester fatiado?
Repousar é sentar no balcão, sempre na mesma banqueta, trocar acenos com o chapeiro e saber, com paz no coração e o presságio bom que paira nas manhãs de domingo que:
Seu pão na chapa com manteiga na entrada e requeijão na saída vai chegar, junto com a porção de mamão formosa cortada - em cubos - e o café pingado que, fazendo jus ao nome, vem realmente apenas com alguns pingos de leite quente na xícara branca, de bordas finas e sem logomarca, uma das últimas do estabelecimento a resistir as intempéries da máquina de lavar.
Se você tem um lugar assim para chamar de seu, e para que lhe chamem pelo nome, você é privilegiada, sim.
Quem chega num estabelecimento e escuta “O de sempre?” apenas para responder “O de sempre", esse ser, certamente iluminado, entendeu tudo.
Vocês sabem, mas não me custa lembrar: cozinha é conexão. Comer é social. E criar vínculos é da natureza humana.
Tenho cada vez mais claro no meu coração que existe uma vida, real e absoluta, capaz de se desenrolar apenas na matéria, no temperar dos dias, na banalidade irresistível e tranquilizadora do cotidiano. Essa vida inclui constância, vivência, caminho. Método é caminho.
Só consegue “o de sempre” quem, olha só, frequenta.
Quem repete - ritual é repetição- e deseja bom dia, boa tarde, e pergunta sobre o placar, e se a filhinha melhorou da tosse, xarope de guaco é mesmo um santo remédio, e quem traz uma coisinha de nada do quintal, um cheiro verde pra moça simpática do caixa que ontem mesmo comentou que estava com vontade de um baião de dois igual ao que a avó que mora fazia.
Quanto mais eu me desconecto das distrações, dos algoritmos, dos lugares da moda, das listinhas dos melhores do mundo, mais eu entendo. Quem eu sou, qual meu lugar, sobre quem e pra quê eu tanto quero falar.
Hoje, fica aqui um ode aos lugares que frequentamos sem pensar, sem pesar, mas com convicção. Aos que nos servem não só de comida mas de atenção, e aos pratos preparados repetidas vezes para o deleite dos comensais famintos por conexão.
Cate por aí
Qualquer homenagem parece insuficiente. Mas Gal Costa foi e segue sendo esse “de sempre” quando pensamos em música popular brasileira.
Fiquei, como toda a gente que brilha, mexida com a partida ( ou retorno?) desta grande estrela para o cosmos, e, a partir de indicações dos amigos pelo instagram, montei uma playlist com as imperdíveis(todas são!) da Gal. Escute aqui a Gal brilha eterna!
Que edição deliciosa!