Teve quem sentisse a interrupção da exuberância do Carnaval. Muita gente adiou casamentos, formaturas, batizados. Não teve o mesmo brilho na ceia de Natal, cambaleamos com os pulos incertos anunciando um ano novo repetido.
Para mim, a ausência dos arraias, quermesses, bandeirinhas flamejando no ar frio foi a falta mais sentida do que costumávamos chamar de vida normal.
No primeiro ano, canjica em casa no café da manhã, um caldo verde para jantar, pé de moleque comido à qualquer hora. No segundo ano, delivery de kits de festa junina, uma cesta com um pouco de tudo, uma miniatura tristinha, maquete de comer.
No terceiro ano, ainda descrente, declaro que temos festa junina no Conchas! Afinal, nada mais próximo da proposta desse humilde restaurante fictício.
Qualquer cardápio de arraial que se preze tem itens que confortam, são servidos em cumbucas fumegantes e trazem aquele calor pro coração. Exatamente como gostamos!
Para falar a verdade, começo com esse papo, jogando canela em algumas coisas, assando milho na brasa, colocando chapéuzinho de palha nas garrafas de vinho ali pelo fim de maio e só recolho tudo, relutante, quando já é quase agosto. Não fui eu quem inventou, mas concordo demais: estamos no ano novo caipira.
Foi muita saudade de tudo nos últimos dois anos, mas o cheiro de fogueira, espetinhos na brasa, quentão perfumado de gengibre e cravo ainda esta aqui.
Assim como as feiras de rua, as festas juninas são um pacto social: só acontecem porque todo mundo combina, e vai.
Existem porque é preciso continuar pintando bigodes nos meninos, trançando o cabelo das garotinhas. Porque alguém, em algum lugar, precisa muito morder sem medo a crosta brilhante de uma maçã do amor. Existe porque canjica é tanto comida de santo quanto comida de alma, que desce escorrendo a garganta e conforta do frio e da saudade.
Porque, atrás de uma igrejinha, alguém faz as primeiras juras de devoção, porque uma noiva de festa junina pode muito bem subir ao altar, porque a cobra, você sabe, é mentira, mas todo o resto pode não ser.
E haja Santo Antônio de cabeça pra baixo, São João, que também é Xangô e diz que quem merece recebe e quem deve, paga. E haja divino Espírito Santo para a iluminação, e São Pedro garantindo as chuvas que fecundam a terra no sertão.
Cate por aí
Arado é um estúdio de investigação, design, pesquisa e divulgação do imaginário rural brasileiro. Os textos são muito bonitos e interessantes, como esse sobre Mastros Juninos e fertilidade. Na lojinha, posters e acessórios que refletem a cultura caipira do país e são ótimos presentes para os nascidos nesta época do ano.
O que não pode faltar na sua barraca de doces? Na Coifa, uma lista com 6 doces juninos, com direto a coração de abóbora, e links para comprar online, um perigo só!
Na falta de uma banda com sanfoneiro, a caixinha de som tem que bastar, nem que seja para dançar agarradinha com os gatos e cachorros de casa. De xote tenho vivido, e essa é a playlist mais gostosa que encontrei.