Seja bem vinda ao Conchas, minha bodeguita, restaurante, lujinha, carrinho de comida de rua tocado por uma mulher só e tanta coisa que a atravessa. Acreditem se quiserem, eu planejei edições mais redondinhas, temáticas até, previsíveis e programadas para este fim de ano.
Mas a vida, vocês sabem. Acontece.
Vez em quando, faço planos, pra arrancar umas gargalhadas dos meus anjos da guarda (é no plural, eu me meto em cada coisa, a cobertura é, no mínimo, em dobro!) e aí depois tenho mais é que rebolar para dar conta de tudo que quero ser, fazer, dividir, movimentar. Pois bem.
Chapati 🫓
Não sei em que momento você vai abrir essa cartinha. Se vai ser de manhã cedinho antes de começar os afazeres do dia, se vai ser diante de um belo pôr do sol, se no intervalo de uma aula, no final de uma reunião que poderia muito bem ter sido um e-mail.
Não sei. Mas eu espero que estas palavras te encontrem na antesala da fome; aquele momento no qual ainda é possível tomar um chá verde ou um aperitivo amargo - um licor de Pequi, Sucupira ou Jurubeba - para terminar de abrir as vontades da gula.
Espero que seja num dia em que o pão nem dormir não dormiu porque acabou antes. Num raiar de dia em que, ainda sonolenta, se dá conta de que acabou a goma de tapioca e nem a bolacha maisena (perfeita com requeijão!) se prestou a comparecer à mesa. Foi assim que acordei neste segundo domingo de dezembro, com 33 anos de idade e uma fome de vida.
Nesse momento, eu precisei lembrar: com farinha de trigo, água e azeite, se vai longe. Não acredita? Leia a Bíblia (é sério!). O sangue é vinho, transformado por Jesus da água para acudir os anfitriões de um festejo. Mas o corpo de Cristo é pão, mas não qualquer um.
Não é a baguete dos franceses, nem os pães de leite dos portugueses ou nem mesmo o pão de centeio (roggebrood) dos holandeses que esse grande livro de histórias faz referência.
É do chapati, phulka ou roti, ou flatbread que as escrituras dão notícia. Pão ázimo, pão asmo, matzá (em hebraico) ou matzo (ídiche) é um tipo de pão assado sem fermento, feito somente de farinha de trigo (ou de outros cereais como aveia, cevada e centeio) e água. É ele que figura até hoje nas mesas do mundo, e essa lista de variedades notáveis de pães do Wikipedia dá uma ideia.
Tão bonito, tão simbólico, o pão é um alimento tão preciso que inicia o Pai Nosso, embora nem só de pão viva o homem, mas também da palavra.
É possivelmente um dos preparos mais antigos da humanidade, e a sua origem segue como ponto facultativo entre historiadores.
Estima-se que ele surgiu há 12 mil anos, junto com o cultivo do trigo, na região da Mesopotâmia, onde hoje é o Iraque. Mas, também, o chapati segue associado à civilização egípcia do Vale do Indo há 5.000 anos. Também é possível que tenha surgido no leste da Índia, ou, ainda, no sul asiático.
Assim como as empanadas, o caráter prático e portátil dos pães empilháveis fazem deles comida de viajantes, e é provavelmente assim que se espalharam por tantas nações. Pode reparar. Ainda que seja com milho ou farinha de mandioca, um pão liso é fundamental pra tantas culturas, é uma base boa e totalmente carboafetiva para o recheio que tiver, pro que der e vier.
Esse caráter topa tupo, bora? bora! do pão me toca. Eu sou assim e gosto de gente assim, que vai, que embarca, que vibra junto, que reparte a dor e a delícia de ser quem se é.
E a origem etimológica da palavra revela justamente isso. Do latim vulgar, portanto aquele que era de fato usado nas ruas de Roma, companheiro deriva de "cum pannis", aquele com quem se divide o pão. Também são aceitas versões, em diferentes dicionários: pessoas que vão juntas, fato de ser para alguém uma presença agradável.
E se tem algum presente que eu possa te desejar neste fim de ano e em tantos outros momentos frágeis desta vida é: que não te falte pão e, muito menos, com quem compartilhá-lo.
Cate por aí
Claro que não vou te deixar na vontade de chapati e sem receita! Eu uso a versão da Rita Lobo, infalível, que reproduzo abaixo.
Minhas dicas são: use azeite se possível, e faça dobrado para congelar em bolinhas embrulhadas em papel filme para, na hora da fome, descongelar, abrir e assar.
Variações possíveis são com ervas secas na massa, como alecrim e orégano, e também cebola e alho desidratados, gergelim, o pão que você amassa você é que decide como vai temperar, não é?
Experimenta e me conta, eu vou adorar saber :)
Chapati - Panelinha
Ingredientes
1 xícara (chá) de farinha de trigo
½ colher (chá) de sal 1 colher (sopa) de óleo ou azeite
⅓ de xícara (chá) de água farinha de trigo a gosto para polvilhar a bancada.
Modo de preparo
Numa tigela grande misture a farinha de trigo com o sal. Regue com metade da água e misture com a mão até formar uma farofa grossa – a farinha precisa entrar em contato com um pouco de água antes do óleo, para absorver melhor o líquido. Adicione o óleo e misture bem.
Ainda dentro da tigela, acrescente o restante da água aos poucos, amassando com a mão até que a massa absorva todo o líquido – atenção para a massa não ficar mole demais.
Sove a massa por 5 minutos: aperte, amasse, estique e amasse novamente, dentro da tigela até atingir uma textura macia e elástica.
Se preferir sovar na bancada, polvilhe a superfície com uma camada bem fina de farinha de trigo – é bem fina mesmo, evite juntar mais farinha na massa, o pão pode ficar ressecado. Modele a massa numa bola e embale com filme (ou cubra com um pano) e deixe descansar por 10 minutos – esse descanso relaxa o glúten e faz o pão inflar com mais facilidade.
Modele um rolinho com a massa e, com uma espátula de padeiro (ou faca), divida em 8 porções. Enrole cada porção numa bolinha e polvilhe a bancada com farinha de trigo. Abra uma bolinha com o rolo de macarrão até formar um disco bem fino – vá polvilhando farinha sob e sobre a massa para não grudar.
Leve uma frigideira média (pode ser de inox ou ferro) ao fogo médio – não precisa untar. Quando estiver quente, bata o disco de massa contra as mãos para tirar o excesso de farinha e coloque na frigideira.
Deixe o pão assar por 20 a 30 segundos, até começar a formar bolhas. Com cuidado para não rasgar a massa, vire o pão com uma pinça e deixe por mais 15 segundos na frigideira – o pão vai começar a inflar. Enquanto isso, acenda uma outra boca do fogão.
Tire o pão da frigideira com uma pinça e coloque diretamente na chama da outra boca do fogão para chamuscar levemente.
Transfira o pão para um prato e cubra com um pano de prato – assim os pães ficam macios e permanecem quentinhos. Repita com o os outros discos e, atenção: a cada 2 pães, limpe o fundo da frigideira com papel-toalha para tirar o excesso de farinha tostada. Você também pode finalizar os chapatis na frigideira, basta deixar cozinhar por mais tempo depois de virar. Sirva a seguir.
Para armazenar
Para manter os pãezinhos macios, conserve num saco plástico por até 3 dias.
Pode congelar
Se não quiser fazer todos os discos, congele a massa restante, já porcionada, mas antes de abrir (em bolinhas). Na hora que quiser usar, tire do freezer com antecedência. Quando a massa estiver mole de novo, retome o preparo.
Você é mesmo essa pessoa que reparte a dor e multiplica as alegrias! Que nunca nos falta pão. Nem queijo, nem vinho… 🫶🏼