Desde que voltei de vez a residir em Brasília, a cidade que me viu nascer, sinto que, ao invés de andar em círculos como nas tesourinhas que cortam eixos, eu tenho seguido em espirais, repassando por lugares, relações, memórias.
Numa dessas voltas, em reunião com uma amiga de longa data que virou cliente, ela, que é mãe de uma criança linda de quase 2 anos, diretora de cinema, fotógrafa e pesquisadora, me revelou um certo cansaço sobre um projeto que foi concluído há muito tempo, e que agora retorna.
Escutei, lembrei que o tempo do cinema é outro, achei engraçado a observação. E então eu ri, e gentilmente apontei que a "culpa” talvez fosse do título da empreitada: Circularidades.
Minha outra amiga genial, a
, é outra que volta e meia me aparece com opções e rebeldias de títulos para seus prolíferos projetos de escrita e de vida.Em mais de uma década (!) lendo o que ela escreve, nem sempre concordo com os nomes. Desta vez, no entanto, ela está diante de uma escolha que, como diz, talvez a faça roubar a si mesma. Nesta onda de furto, eu avisei que roubaria o nome desta edição: nomear é dar destino.
Era abril, eu estava na Bahia, numa praia quase deserta que fica à beira de uma estrada de terra que liga Arraial d’Ajuda à Trancoso. Aquele mar infinito, o livro Tudo sobre o amor, de bell hooks, de um lado. Um caderno de capa dura preta e linhas pautadas do outro.
O mar infinito à frente, e as dúvidas que amamos ter; beber água de coco? Caipirinha? Entrar na água, caminhar? Faria tudo, mas escolhi começar pela última opção.
Andei, deixando as ondas e suas borbulhas esbranquiçadas molharem meus pés, indo e vindo. A falésia avermelhada no lado oposto trazia uma certa solidez que é o oposto do mar. Depois de um tempo, uma fileira de grandes pedras cinzentas, que pareciam uma divisão entre-praias, me fez virar.
E, na caminhada até meu guarda-sol e cadeira, fiz a coisa mais boba, mais sem pra quê: catei algumas conchinhas pelo caminho.
Já sentada, hidratada pelo coco e desidratada pela cachaça, fui rabiscar minhas coisinhas no caderno.
Conhas é um bom nome/ sobrenome / Vieira / coquille saint jacques é uma concha de comer/ conchas espanholas são vulvas abertas / conchas mexicanas são panes dulces / o que está no caminho é preciso e precioso.
Tanta, mas tanta coisa na minha vida eu vi surgir primeiro em sonhos e, logo em seguida, em anotações nos infinitos caderninhos que preenchi e sigo preenchendo.
Escrevo à mão todo dia, mesmo que só um pouco, mesmo que em lista, mesmo que nas brechas, no meio de entrevistas, no tédio das esperas, na ansiedade dos encontros.
Escrever é um oráculo; à mão, ainda por cima, existem os sinais das letras; mais ou menos borradas? marcadas fundo no papel, caneta descansando e tinta que atravessa as páginas.
Em escritos antigos, é possível encontrar recados para o seu eu do futuro.
As palavras estão ali, para te lembrar do sonho, para te colocar no prumo, para nomear a próxima grande alegria: um conto, um filho, um restaurante.
Como tudo que é rotina, às vezes sua relevância se dissolve. Mas fui lembrada, inclusive por outros oráculos ( tarô, poesias, cartas trocadas há anos) que é bom multiplicar o que nos impulsiona a alma. E, ademais, eu sempre gosto de uma mesa cheia, ainda que virtual.
Por isso eu deixo aqui o convite para minha primeira Oficina de Escrita Oracular, que acontece neste sábado (19/10), a partir das 9h30. A ideia é fazer algumas práticas, conversar, escrever, trocar.
Estou preparando tudo com carinho e aquela ansiedade de quem enrola cem brigadeiros e se pergunta se os coleguinhas vão aparecer na festa. Eu espero muito que sim, e, como um incentivo, vou sortear entre os participantes uma tiragem de tarô comigo. Que tal?
Oficina de Escrita Oracular
Data: 19/10 - sábado
Horário: 9h30 - 12h.
Investimento : R$ 108
Como se inscrever: Preencha o formulário e faça o PIX para a chave : marianalovieira@gmail.com
Me inscrevi no curso de amanhã presencialmente. Só não achei onde será?