Escolha
"O amor é o que o amor faz. Amar é um ato de vontade — isto é, tanto uma intenção como uma ação. A vontade também implica escolha. "
Sejam todos bem vindos a este restaurante imaginário neste nosso mundo pós-apocalíptico.
Para os que estão chegando pela primeira vez, é hora de arregaçar as mangas: o Conchas está convertido a uma cozinha solidária, em prol daqueles que mais precisam: pessoas e animais afetados pela devastação sem procedentes no Rio Grande do Sul.
No momento em que esta missiva chega até você, na manhã de domingo do dia das mães no Brasil, eu estarei cortando cebolas. Socando alho com sal e pimenta de cheiro no pilão. Debulhando milho e fatiando quiabos, cozinhando aos poucos, pingando água e abafando o frango ensopado com açafrão, uma herança tão mineira quanto goiana, para o almoço com os meus.
Eu queria me debruçar nestas memórias, servir um texto bonito e afetuoso como o do dia das mães do ano passado.
Mas já não é possível. Não faz sentido.
E isto, essa breve cena, esse cardápio que foi servido tantas vezes em incontáveis domingos é, agora, um privilégio infinito, porque inclui: Àgua potável. Energia elétrica. Fogo. Os ingredientes. A presença à mesa da mãe — que não é eterna — e dos nossos , inclusive os bichinhos ao redor.
Tudo que eu queria é que as mães e filhos - e avós e tias e famílias inteiras - pudessem fazer o mesmo, exercendo suas tradições, no Rio Grande do Sul.
Nós somos os sortudos. Temos tanto. Emicida escreve e canta e seria bom que a gente não esquecesse: tudo tudo tudo que nós tem é nós. E, por isso, e por todos que não tem - que deixaram de ter da noite para o dia - é que precisamos de ação.
Desde que as notícias começaram a chegar em áudios de amigos, vídeos na televisão e manchetes virtuais, um sentimento antigo - de 4 anos de idade - ressurgiu.
O começo do que seria 2020.
As indefinições, o aparente delay generalizado no entendimento da proporção; o escalonado aumento de vítimas, o caos das informações falsas, o acúmulo de todas as tarefas, das planilhas à faxina, que continuam precisando de nós, apesar de absolutamente tudo.
A impotência.
O que eu posso fazer?
É bell hooks, escritora, professora e ativista que vem ao meu resgate e muito bem define:
“O amor é o que o amor faz. Amar é um ato de vontade — isto é, tanto uma intenção como uma ação. A vontade também implica escolha. Amar é um ato da vontade”.
Ainda que não pareça, podemos fazer muito. Talvez não o que gostaríamos nem o que julgamos mais importante.
Não com super poderes e com capacidades extraordinárias, mas dentro de nossas próprias possibilidades, das ações que já conhecemos, sendo quem já somos. Claro, na linha de frente, aqueles que tem possibilidade - seja geográfica, financeira, psicológica - e competência técnica merecem todo o reconhecimento e ajuda. Mas existe muito a ser feito, e, desconfio, será assim no médio e longo prazo para os gaúchos. Para os brasileiros. Para os seres humanos.
Nesta lógica de cada um fazer o que de fato sabe, consegue e pode pode para ajudar, eu escrevo. E conecto pessoas, divulgo iniciativas, coopero como posso. Porque são as ações que já exerço, que repeti tantas e tantas vezes em empregos, trabalhos voluntários, eventos.
Então, eu te convido a pensar nas suas ações, no melhor que você já entrega para o mundo e como isto pode ajudar mais pessoas neste momento. Te convido a exercer esta ação com intenção que se traduz em amor à partir do seu lugar no mundo.
Uma outra forma de ajudar é lembrar que os recursos não são infinitos. Que é de bom tom não desperdiçar - água, comida, remédios.
E, de igual forma, não é razoável estocar itens essenciais. Nem falar do que não se sabe, espalhar desinformação, questionar publicamente especialistas que se dedicaram uma vida inteira ao assunto - meteorologia, ecologia, engenharia, para citar alguns.
O óbvio precisa ser entoado aos quatro cantos como um mantra: continue ajudando. Como puder. Doe para as iniciativas que escolher. Mas faça, porque o amor é escolha e ação.
Mariana, suas palavras chegaram aqui como um mingau, quentinho e cremoso. Agradeço. Um abraço com cheiro de alecrim!
Que texto lindo, Mariana. Sou gaúcha e estou em Porto Alegre ajudando como posso também, usando os privilégios que me concederam a possibilidade de estar segura neste momento. É uma tragédia sem precedentes que vai se estender em médio e longo prazos, sim, e que vai exigir muita reconexão à natureza e políticas públicas eficientes, sistêmicas e com justiça social. Seguimos!