Seja bem vindo!
Não sei se posso afirmar com certeza que hoje o Conchas abriu; talvez quem caminha até a porta desse restaurante imaginário neste momento encontra uma caixinha de correio vermelha com a flâmula levantada.
O moço passou por aqui.Tem correspondência.
E, sim, é uma carta de amor, como todas são.
Para ler ouvindo Gita, essa belezura de Raul Seixas.
“Meu raio de Sol,
Fico pensando quanto tempo o tempo tem até que eu olhe nos seus olhos, e, mais ainda, consiga fixar-lhe as cores exatas, sua palheta mais que perfeita.
Essa semana eu andei mais uma vez por sete dias seguidos inclusive hoje na corda bamba da presença. Não consigo mais seguir o fio do tempo a não ser vivendo o aqui e agora, uma espécie de cabresto da yoguina.
Quando você for homem feito e chegar a sua hora de fazer ninho, meu passarinho, saiba que o melhor que podes oferecer para outro humano amarelo é sua atenção irrestrita, sua presença plena no agora.
Olhos nos olhos, quero ver o que você faz. Um dia eu vou te contar a história sobre a menina esguia, a bolsa a tiracolo, o all star branco sem pichações que zanzava por um colégio de gente esnobe sendo ela também bastante marrenta para se proteger de - do quê, mesmo? Bom, essa garota evita olhares, os faroletes sempre baixos, lábios tão pequenos e ainda por cima cerrados. Eram tempos solitários, como talvez seja toda transição entre a vida da criança para a forma intermediária do adolescente que já contém os traços do adulto que virá.
E foi um homem feito, um bedel chamado Emerson, um desconhecido de toda forma (mas não somos realmente estranhos, dentro da mesma espécie) que chamou a atenção. Que a pediu para abrir o olhar, como as janelas da alma que tanto se comenta. Seu pai fez coisa parecida no começo.
O olhar da moça podia parecer lâmina de espada mas era na verdade - e é - face de espelho. Ninguém gosta de mensageiros que trazem más notícias e, dependendo que quem está ocupando o trono, é como a rainha de Copas diz para Alice, para o Chapeleiro e até para o Coelho Branco: Cortem a cabeça!
Eu vou contar muitas vezes as histórias desse livro louco, mas também da Bíblia e quem sabe da Gita e do catálogo de plantas não convencionais brasileiras e de todos os livros do Jostein Gaarder.Eu tenho tanto pra te falar, mas com palavras não sei dizer.
Mas eu estou mais uma vez me adiantando em tempos ainda não vividos.
Melhor é falar do agora, deste louco ano, do primeiro gol do Brasil na Copa, dos pântanos de mangas que começaram a se formar pela cidade inteira, do cheiro de jaca prestes a amadurecer ou a destruir, inocente, o capô do carro dos desavisados da Asa Sul.
Inevitável é falar do Ed, que se foi essa semana. A vida é breve mas a vida de um padeiro é ainda mais; quantas horas, quanta vida ele usou na vigilância da massa madre, nas dobras de tantos pães, no corte perfeito de pestanas crocantes e estaladas. E também na feitura de discos de pizza, na fermentação de cervejas, na luta por alimentar quem tem fome.
Ele viveu servindo a uma coletividade e essa é, meu amor, uma grande chave, uma descoberta, um aprendizado ancestral: Eu sou porque nós somos. Se você ler cansado ou com pressa ou sem paciência, sublinha essa frase, por favor.
Eu queria que houvesse um retrato falado prévio, sabe? Para te ver antes de te ver, para antecipar os traços, o jeito, o timbre da voz. Será que um dia os deuses geneticistas oferecerão tamanha regalia? Acho que não. A vida humana, em toda sua estupenda fragilidade, pressupõe essa entrega, e cada sim que damos para a continuidade da espécie é um sim lotérico, aleatório, um abrir de caixa surpresa que pode conter tudo, inclusive nada.
Minha sorte é ter tido, a vida toda, o dom de tatear o invisível, apenas para sentir que em tudo há textura, a benção de inventar histórias e presenças para não ter que ficar tão só.
Meu poder oculto é suspeitar da natureza infixável do tempo cíclico. Minha felicidade é ter fé nos reencontros galáticos, é me encantar com a dança celestial da Lua e do Sol, é sentir a poeira cósmica que paira no ar. O amor está em todo lugar.
Eu espero. Mas espero fazendo. Espero rezando. Espero escrevendo. Espero esperando mas também inventando vida, inventando formas de viver, de estar no mundo, de me ajudar, de deixar um pouquinho melhor os lugares por onde passo quando eu consigo.
Eu sou tão humana, meu bem. Tão cheia de falhas e de pequenezas e de birutices que nem sei por onde começar nem por onde terminar. Lá em casa continua todo mundo bem, e todos os problemas se antecipam.
Mas eu sou cheia de amor, sou refeita nos afetos, protego e nutro tanto os meus. E você é meu, mesmo não sendo ainda, mesmo que na etérea ideia sem rastro no real, mesmo que inédito. Eu sou porque nos somos, e esse mundo merece sua luz e você a dele, e eu a celebro.
Com amor,”
Mariana.
Que lindo