Existem infinitas vantagens em ser a dona e proprietária de um restaurante imaginário como é o caso aqui do Conchas.
Hoje, quero usar todas elas para oferecer uma experiência praticamente impossível no supervalorizado mundo real. O que posso apenas imaginar é um almoço de dia das mães, aqui, nesse meu salão que abriga mais comensais que Hogwarts — a famosa escola de Harry Potter — com conforto.
Pense num dia fresco, com sol mas sem calor; na brigada da cozinha, e, veja, nunca achei que diria isso, mas apenas seres mágicos, sem mães, capazes de cozinhar sem deixar de lado sua figura progenitora. Quais seres não tem mãe e mesmo assim são dotados de capacidade de nutrir e cuidar? Deixo essa para vocês.
No cardápio, uma comida boa, fresca, restauradora, feita apenas com que cresceu com a luz do sol, a força da terra e, principalmente, da água.
Na medicina chinesa, a água é, dentre os cinco elementos — terra, fogo, metal e madeira— aquele que nutre todos os demais. Elma, minha acupunturista bruxa, me conta que sou um corpo de água, cheio de fogo por dentro, e que, por isso, tenho essa energia pronta para doação.
Hoje, eu escolho me doar para as mamães no salão. E, enquanto percorro as mesas, sorrio ao ver minha mãe e, agora, minha irmã em sua primeira data no posto. Acho que ela está indo muito bem; é, afinal, um trabalho para a vida inteira. Junto com ela, minhas amigas com bebês de colo se revezam entre goles de água e mamadas.
Que engenhosidade a nossa, os mamíferos; transformar sangue em leite, se deixar sugar assim, de tão boa vontade, e transmutar o metálico do ferro sanguíneo no adocicado da lactose, ensinando ao paladar seu primeiro sabor: doce, dulcíssimo, na ponta da língua.
Tudo isso nos dá as madrecitas. Nem sempre de boa vontade, muitas e muitas vezes por instinto, com cansaço, exaustão, em um franco flerte com a loucura. Quem fornece tanto merece, entre tantas coisas, uma tacinha, sim? Mama needs her wine. E sua soneca. Seu café quente, seu banho sozinha, seu tempinho para lembrar que existe uma mulher ali, antes de tudo.
Percorro o salão; sorrio quando meus olhos encontram uma das minhas amigas de infância. Lembro de sua confissão. “Eu continuo não gostando de criança. Só da minha.” Logo ali, outra mãe que me falou entre lágrimas uma vez: "Eu amo minha filha, mas eu odeio a maternidade". Tantas outras frases que, talvez em gerações anteriores, foram abafadas: não era o que eu pensei, não sei como fazer isso, não gostei da sensação de amamentar, eu sinto falta da minha vida de antes, eu quero sumir. Gosto de poder ouvir, é só o que posso fazer. Não tenho nenhum julgamento, em absoluto.
Em outras mesas, as progenitoras de criancinhas maiores — que brincam no parquinho ou se acalmam na pequena biblioteca infantil que montei para a ocasião, afinal, não vai ser ainda que admitirei uma brinquedoteca em meu estabelecimento — conversam sobre tudo, menos os filhos. Mas voltam à eles, é inevitável, penso na fábula da mãe coruja e do gavião, que entremeada essa relação da mãe e dos filhotes.
Nas caixas de som, a trilha sonora atemporal da Antena 1, estação de rádio preferida da minha mãe. O serviço flui milagrosamente, afinal, estamos protegidas pela fantasia, e, por isso, aqui também cabe as vovós, mães duplicadas, a casca maior da matrioska geracional. Num mundo ideal, teríamos todas nossas avós, nossas primeiras advogadas, cúmplices e guardiãs.
Neste banquete, também tem mesas para as tentantes; para aquelas que estão na fila do prolongado processo de adoção; para as mamães de anjinhos e para nós, as titias, que querem ou não, que podem ou não abrir espaço para mais vida, ainda mais vida.
Afinal, à despeito de todo capitalismo, de todo individualismo, de todo horror patriarcal, somos uma espécie hiper social, precisamos de nossas tribos e aldeias para seguir criando pessoinhas íntegras, amorosas, capazes de não apenas preservar, mas de se relacionar com toda essa natureza exuberante que nos rodeia. O peso de uma mãe só alivia quando existem muitas mãos, braços e colos. Que a gente possa cuidar das mães para que elas possam cuidar dos filhos.