Segunda-feira não é dia de abrir esse pequeno restaurante imaginário. Mas trata-se de um evento particular, de família. Essa semana começa com o aniversário da Julia e termina com o aniversário da Gabi. Minhas irmãs, geminianas.
Que me perdoem os filhos únicos, mas ter irmãs é fundamental. Sei que não parece justo, uma vez que não existe uma escolha pessoal envolvida. E também sei que ter bons irmãos, dos quais você faz questão ainda que não seja obrigado, é pura sorte. Uma que eu tive.
Somos tão diferentes, mas, quem nos vê juntas, tem certeza de que viemos de uma mesma ninhada. Uma coisa aqui, outra ali. O jeito de falar, os gestos, tantas lembranças que nos trouxeram até aqui. O trauma conjunto que torna impensável para qualquer uma de nós a pavorosa ideia comer um bife de fígado. A cumplicidade de quem lambeu batedores de chantilly, de quem tirou no pedra-papel-tesoura o último pote de iogurte da caixa de quatro ou de quem até hoje se deslumbra com tigelas de leite e cereal radioativo.
Minhas irmãs foram meu primeiro público para contar histórias e para experimentar receitas — ainda que talvez as primeiras não tenham sido nem palatáveis e as segundas nem comestíveis. Também são as pessoas que observei mais de perto a fim de entender os apetites.
Julia adora coisas aparentemente sem gosto. Arroz moti, sem sal nem nada. Angu sem molho. Prefere bolo de bolo ao barroco dos mil recheios e coberturas, muito embora já tenha me pedido um bolo sólido, feito completamente de pasta americana. Passou anos sem comer queijo, apesar de amar, por orgulho de uma promessa. É a pessoa com mais força de vontade que conheço, sem contudo perder nem um pingo de doçura.
Hoje minha irmã do meio é vegetariana, embora raramente, por pura memória afetiva, devore um hamburguer do palhaço, sem remorso algum. Acho que cuida tão bem das suas criancinhas porque nunca deixou essa parte dela morrer, seja se vestindo de gente inventada - cosplay- ou se emocionando verdadeiramente com a condição humana ao ler tantos livros que compartilhamos na vida.
Já a Gabi, caçula, era uma criancinha precoce no paladar, capaz de comer com gosto itens que arrepiam a nuca de muito adulto: alcaparras, champignon, curry. É ótima companhia para andanças em feirinhas, vai incentivar o preparo de coisas complicadíssimas e troca de bom grado de opinião depois de provar.
É, também, a pessoa mais habilitada ( e graduada!) em fazer rir os comensais em torno da mesa, e transitar entre o trágico – arroz queimado, pudim partido, suflê murcho – e o cômico das situações pomposas pelas quais eventualmente passamos.
Uma vez, na última noite na Itália, numa viagem que fiz com minha mãe, escolhi meio ao acaso um restaurante em Roma pela plaquinha meio infantil, mas fofa, que anunciava: Le Sorelle. Entrei, muito porque queria que as meninas estivessem ali com a gente.
De primeiro prato, o garçom, tão italiano quanto uma Vespa, serviu uma pequena torre equilibrava três rodelas: berinjela empanada, muçarela de búfala e tomate carnudo. Por cima, azeite, sal, pimenta e folhinhas de manjericão. Cada uma tão distinta em gosto, textura, sabor e aparência, mas complementares e belas. Como a gente.
Lindo texto, minha querida
acho bonita a relação entre irmãos. não tive a sorte de ter nenhum.