Abrimos nesta segunda-feira, dia de Lua, dia de todos os santos, Halloween!
Sejam todas e todos muito bem vindos, este é o Conchas, seu restaurante imaginário preferido, e hoje é um dia especial demais. Não pela vitória particular de um homem, mas pela garantia da soberana democracia.
Embora todos os funcionários do Conchas estejam devidamente liberados para viver essa ressaca maravilhosa, pela qual eu particularmente esperei por quatro anos, estamos aqui.
E eu quis abrir nem que seja para servir, fora de hora e o dia inteiro, café, leite, pão de queijo, cuscuz e tapioca, tudo com ovo pra dar sustância, a gente vai precisar.
Eu quis abrir por nós.
Nós, os vivos. Nós, que votamos, honrando aqueles a quem faltou o ar e a vacina para chegar até aqui. Estamos aqui, as mulheres, as mães ,as pessoas pretas, indígenas, as filhas, as netas. As bruxas.
Hoje, estamos aqui para servir amor, em prato cheio. No menu do dia: História.
Eu poderia falar aqui sobre o que aconteceu em Salem, cidadezinha americana que tenho vontade de visitar. Ou ainda falar sobre as stregi de Paroldo, ou ainda sobre as feiticeiras de Moçambique, sobre as flores do Irã, sobre tantas e tantas e tantas fogueiras que nunca pararam de crepitar.
Mas eu sou brasileira e minha terra, além de ter palmeiras onde cantam sabiás, tem mulheres sábias, fortes e francamente mágicas.
Uma delas, professora, historiadora e mineira esteve em Brasília nas vésperas do segundo turno, na semana de mil dias, e eu tive a grande felicidade de ouvi-la falar. Heloísa Starling, cujo sobrenome evoca a ave estorvinho, subiu ao palco do Museu da República e jogou luz para a vida de mulheres que permaneceram, por tempo demais, apagadas dos registros oficiais.
Você sabia que a primeira presidente do país foi uma mulher? Sim, nossa ex Dilma não foi exatamente a primeira. Eleita, sim, mas proclamadora de uma República independente da Coroa Portuguesa? Só dona Bárbara.
Falo aqui de Bárbara Pereira de Alencar(1760-1832), ou Bárbara do Crato, apesar de que ela nasceu em Exu, Pernambuco, terra dele, Luiz Gonzaga.
Avó do escritor José de Alencar, foi uma mulher branca e rica que administrava um engenho, portanto, com alguma influência dentro da estrutura social da época. Aos 57 anos, viúva e com filhos crescidos, foi a única mulher a participar ativamente, no Vale do Cariri, da ação revolucionária de 1817 no Nordeste, que tentou varrer as forças do Império.
“A Igreja Matriz do Crato, no interior do Ceará, estava lotada de fiéis na missa dominical do dia 3 de maio de 1817, festa de Santa Cruz. A matriarca de uma das mais importantes famílias de todo o Nordeste, Bárbara de Alencar, acompanha o sermão ao lado de um público formado, na sua maioria, por pequenos comerciantes semianalfabetos e produtores rurais.
Ao fim da cerimônia, um homem vestido de batina sobe ao altar e assume o púlpito de surpresa. Não era um padre. José Martiniano de Alencar, filho caçula de Bárbara, discursa sobre a sofrida realidade do Brasil colonial. Os espectadores aplaudem empolgados e ele manda hastear sua bandeira da independência. A Revolução de Pernambuco, nascida dois meses antes na província vizinha, finca o pé no Ceará. Surge a República do Crato.
A República do Crato durou apenas oito dias. Logo as tropas enviadas pela Coroa chegaram à cidade e sufocaram o movimento. Imediatamente os filhos de Bárbara envolvidos no levante foram presos e, dias depois, foi a vez da mãe. Houve tempo para que ela escondesse algum dinheiro, mas seus bens foram confiscados pela Coroa e as propriedades, leiloadas. Identificada como agitadora, revoltosa, liberal, conspiradora e conjurada, Bárbara foi enviada para a cadeia do Crato. Depois, vestindo apenas saia e camisa, algemada e acorrentada no lombo de um cavalo para a travessia de mais de 500 quilômetros entre Crato e Fortaleza.” - Aventuras da História
Se isso não é ser bruxa, bem, tomem aqui minha carteirinha e meu passaporte, que eu subo na vassoura e me mando pro Nordeste.
Brincadeiras à parte, me orgulho de estar do lado das bruxas, e nunca dos inquisidores, perseguidores.
Bruxas sempre foram e serão as mulheres com pensamento livre. Bruxas são as cozinheiras, erveiras, benzedeiras, cuidadoras, parteiras, agriculturas.
Mulheres que tem o mais profundo respeito pela Mãe Terra, pelos ciclos da Natureza e da vida, que é abundante e que deseja se expressar em cada detalhe, em cada receita, em todas as folhas, no desabrochar de cada rosa.
Muita coisa mudou em mim e, ainda bem, no mundo, desde que eu era a menina de cabelos pretos batendo na cintura, olhos marcados por lápis preto, batom roxo, pentagrama no pescoço, revistinhas da Witch no fichário, livros do Harry Potter lidos e relidos na mochila pesando junto com os cristais de ametista e quartzo. Ah, a póbi.
Penso que hoje, com as redes sociais e um boom na cultura pop, esse aflorar da próxima geração de bruxinhas vem ainda mais forte, mas, principalmente, mais esclarecido. Bruxa não é apenas uma fantasia de carnaval ou Halloween, mas um poderoso arquétipo feminino com potencial de ser ativado.
Uma princesa, uma imperatriz, uma rainha que seja, são personagens que tem um dever, um papel para cumprir, uma obrigação na vida pública. Uma bruxa tem uma vida privada forte e uma relação profunda e íntima com o mundo natural, de onde emana todo seu poder.
No fim das contas, as bruxas são tão temidas porque não se submetem aos desígnios perversos do machismo patriarcal. Uma mulher livre é uma força da natureza. Imagine todas, imagine juntas?
Ainda que existam religiões organizadas ligadas à tradição de bruxaria, como é o caso da Wicca, da qual não faço parte mas admiro e respeito, ser bruxa não tem uma relação de obrigatoriedade com nenhuma religião.
Para mim, ser bruxa e se autodeclarar uma é uma forma de servir como o coração, nutrir a família e a comunidade ao seu redor com a melhor das energias, com intenções, palavras e ações. É estar presente. Seja com chás, bolos, fazendo rezas, oferecendo um abraço, dando colo. E fazendo tudo isso por si, antes de tudo. Como diz RuPaul, uma deusa, uma louca, uma feiticeira, Se você não pode se amar, como diabos vai amar alguém?
Cate por aí 🔮✨
Quando Deus era mulher, a terra era cultuada e as sociedades, matrilineares. Assisti recentemente um curso online da Casa do Saber chamado Deusas, bruxas e feiticeiras - histórias de quando Deus era mulher.
A professora, que também é bem bruxona, é Julia Myara, pesquisadora de Filosofia Antiga, mitologia, narrativas sagradas e gênero.Está disponível gratuitamente por tempo limitado neste link, eu recomendo demais!
E que tal assistir histórias de diferentes estilos de bruxas, antigas e contemporâneas?
Se liga nessa listinha de 8 séries que toda bruxa deve assistir bebendo vinho que eu fiz para o blog do Vinho da Bruxa, projeto do coração que tive a alegria de ajudar a trazer pra esse mundo.
Aliás, hoje é um bom dia pra comprar os rótulos com desconto de Halloween no site e receber no conforto do seu lar.
Um passeio para quem passar pela Vila Mariana, em São Paulo: visitar o Museu Brasileiro de Magia e Bruxaria.
Claudiney Prieto, tarólogo, e praticante Wicca, decidiu transformar seu acervo pessoal de artefatos ligados à Bruxaria em um Museu brasileiro sobre o tema. Não deixe de passar na lojinha para tirar um oráculo, escolher ervas para sua próxima poção e quem sabe encontrar aquele livro mágico.
Eu lamento por aqueles que não tem a sorte de ter Paola Perroti como amiga pessoal; ela,uma fada canceriana, escreve uma newsletter privada, old school(a boa lista CC do e-mail, sabe?), que chega às sextas com playlists maravilhosas nos agraciou na semana passada com essa playlist temática de Halloween. Viva as bruxas!
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