Eu fico até sem jeito para dizer que não gosto.
É como se eu fosse menos brasileira.À guisa de justificativa, posso começar dizendo que não tive suficiente contato com ele desde a mais tenra infância.
Poderia culpar meus pais. Mas, aí, Renatinho canta na vitrola: você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo.
Eu experimentei. Tentei à sério.Em épocas diferentes, em contextos, com outras pessoas, em outros estados. Inútil.
Sou a primeira a reconhecer sua importância cultural, o vínculo afetivo que pode estabelecer, a tradição familiar que existe em torno de seus rituais. Conheço muita gente que gosta e defende. Acho bonito a alegria dos outros, válido, digno, tudo isso. Mas, gostar, gostar, eu vou ficar devendo.
E, aqui, eu preciso confessar: podia estar falando do Carnaval. Também. Mas falo do pequi. Sim, do pequi.
Se, para curtir Carnaval, seria uma boa ter na própria árvore genealógica antepassados de lugares como Pernambuco e Rio de Janeiro, para curtir pequi eu, na teoria, tenho origens acertadíssimas: mãe goiana, pai mineiro.
No entanto, na vida de ambos aconteceu Brasília, o quadradinho de terra centralizado. Brasília, onde foi preciso desbastar a vegetação do Cerrado para criar prédios brancos, alheios, inóspitos.
Brasília, que não parece combinar com o cheiro pungente do pequi cozido, Brasília onde existem guerras nas copas das repartições públicas. Guerras entre quem ama e leva marmita de galinhada com pequi e dos outros, os injuriados. Meus pais caem nessa segunda categoria.
E talvez seja, dentre tantos, um gosto adquirido. Mas, não sei. Conheço gaúchos que gostam. Gente do Maranhão, de Espírito Santo. Não sei se posso culpar a localização. Quem é de farra, farreia em qualquer lugar, não é mesmo? Quem é bom de garfo, come de tudo, oras.
Mas não é bem assim. Tem coisa que a gente peleja. Mas que deveria ser mais fácil. A flor do pequi é linda, linda. A árvore é de madeira boa. Contra o cheiro me detive, pensando em outros alimentos cujo aroma fosse tão pungente. Viceral, até. Não acho que exista uma comparação justa.
Isso sem falar no perigo. Ah, sim. Para os desavisados, o pequi tem, entre a polpa e a castanha, uma camada espinhosa. Quem não sabe, e decide cair de boca, pode se acidentar gravemente; seria como lamber um porco-espinho. Já teve até cantor sertanejo das antigas passando aperto. Pequi, em toda sua glória amarelenta, é de roer, não de morder.
Queria gostar do pequi e queria gostar de Carnaval. Chega um tempo em que não queremos ser do contra. Isso fica na infância, quiça no começo da adolescência, no máximo nas primeiras décadas dos vinte e poucos anos. Depois dos anos de confinamento e incertezas, juro, queria querer. Queria pertencer, entender, me deixar levar.
Caramba, eu queria ter pique para topar aquelas viagens com semi desconhecidos, ficar em casa com 30 pessoas em uma das ladeiras de Olinda, sem perder um bloco, bebendo tudo que me oferecessem.
Sinto que nunca fui tão jovem assim. Talvez tenha sido a recusa em ir com os colegas de ensino médio para a viagem rumo a Porto Seguro e sua Passarela do Álcool e seus capetas e caipirinhas. Alguma coisa desandou de lá pra cá.
Queria igualmente ter a boa vontade dos amantes de pequi, e roer até o fim da estação, que é justo agora, fevereiro. Queria fazer o trajeto de Brasília até Goiânia, sentar num restaurante bem típico, daqueles que nem tem nome na porta, pedir a galinhada com pequi, me es-bal-dar. Comprar polpas na beira da estrada e congelar, salpicar as lascas em salmoura em cozidos, refogar cebola e alho em seu óleo dourado. Queria, até, provar os valorosos coquetéis de novos baristas que experimentam, alegres, combinações que levam pequi e desafiam os sentidos.
Queria, mas, por enquanto, admiro, meio afastada, sempre curiosa, a folia dos que sabem roer até o caroço, sem se machucar, sem hesitar, os bocados exóticos da vida.
Cate por aí
A curiosidade te pegou? Quer fazer o teste por conta e risco, mas não mora em regiões onde nasce de boa vontade o pé de pequi?
Pois recomendo comprar com a Central do Cerrado, cooperativa que reúne diversas organizações comunitárias que desenvolvem atividades produtivas a partir do uso sustentável da biodiversidade do Cerrado e da Caatinga.Quer saber 12 fatos do pequi que você nunca perguntou? A lista do Buzzfeed te responde mesmo assim.
Pequi pode ser usado em doces. Até mesmo no brigadeiro, esse ícone, que também vive e revive, de tempos em tempos, sua cota de polêmicas. Se quiser fazer, deixo aqui a receita de brigadeiro de pequi feita pela minha amiga pessoal e especialista, Tainá Zaneti, que já me fez provar essas e outras receitas com o fruto do Cerrado. Amiga, eu tentei!
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Eu amei vim aqui! Pretendo ficar! ❤️
meu coração goiano tá aqui dividido entre se indignar "mas como assim, ela não gosta de pequi?" e te oferecer uma pamonha à moda de consolo. amei muito os paralelos entre carnaval e pequi.